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sábado, 2 de junho de 2012

Das leituras de Alberto Caeiro (I)




É maravilhosa a sensação de encontro que a poesia nos causa; você vai lendo um poema, vai apreendendo um poeta, devora as páginas de um livro e se enxergando nas entrelinhas. Alberto Caeiro é um dos heterônimos do grande Fernando Pessoa e a cada dia que sua obra me é apresentada vou me deparando com partes minhas que outrora habitavam um certo baú nos outeiros por detrás dos montes de Portugal...






Alberto Caeiro
, escreveu em O guardador de Rebanhos:

I
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

( ... )

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

( ... )

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

( ... )

II
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não penasr...

( ... )

V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

( ... )

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sober as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar.

( ... )

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério

( ... )

Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

( ... )

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina).

( ... )

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

( ... )

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.



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E a medida que as páginas passem, trago mais.


...

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